Luandro

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Pássaros quase sem asas
         Pássaros quase sem asas

         O local: Avenida Nossa Senhora de Copacabana, bem próximo a um famoso e tradicional hotel. Passava um pouco de 11 h e 30 min. O andar apressado e indiferente reproduzia, por medo, por culpa, por indiferença, qualquer outro dia em que se manipulam valores e se esquecem de nossos verdadeiros pássaros.
          Sabe-se muito bem que o pronome Nós é mil vezes mais importante do que o Eu.
          De repente, uma criaturinha, suja, descalça - não sei se ela arrebentara as grades de seu viveiro – mas estava na Rua.  Colocada, cautelosamente, entre o vão de um banco de uma padaria-restaurante, pedia:
          - Me dá uma quentiiinha!
          - Me dá uma quentiiinha!
          - Me dá uma quentinha...
          Ao aproximar-me, acrescentou o tratamento já tão tradicional (e cujos significados são tantos):
          - Tia, não sou ladrão. Me dá uma quentinha?
          Eu ia fazer apenas um lanche, na luta diária de minhas aulas particulares, além dos locais em que leciono.
          Entrei, pedi um misto. A seguir, disse ao gerente:
          - Por favor, quero uma quentinha para aquele menino, que, esquivo, colocara um dos pés dentro do estabelecimento.
         - Ele não pode ficar aqui!
         - Eu vou pagar, coloque para ele.
         - Não posso!  Ele que entre e coloque depressa!
         Como um raio, já o vi na fila, com todas as pessoas a olhá-lo.  Não tardou, Ele colocava a comida. E colocava e colocava... Meu Deus, era uma montanha. Pensei, será que eu tenho dinheiro para isso. Ao mesmo tempo, divertia-me com a sua desenvoltura. Pesou e saiu, sem esquecer-se de agradecer com seu famoso tia e seu sorriso incompleto e um olhar profundamente marcado pelas feridas sociais e humanas.
         Rápido, terminei meu lanche e, satisfeito, mas ainda reclamando, o gerente recebeu o pagamento (muito mais do que eu pretendia gastar comigo). Isso era o que menos me interessava. Queria ver se ainda encontrava aquele pobre pássaro da cidade, saboreando sua refeição.
         Qual não foi a minha surpresa, ao vê-lo, com mais seis, repartindo o que ganhara. Uma verdadeira revoada, na qual estava também uma garotinha. Eles não me viram. Aliás, eu também queria isso. Chovia – eu esqueci esse fato. Debaixo da cobertura de um prédio, aquelas pequenas, quase todas de asas já cortadas, viviam um momento diferente, mas tão breve, tão inócuo , diante da constância dessa amarga realidade. O tecido social está esgarçado. Cada vez é dito que é preciso investir em educação. Claro que sim! Mas vamos começar pelo ninho: a família.
          Aqueles pássaros pouco, certamente, irão voar. Porém , há tantos ainda nos ramos verdes das árvores.

  



  
Luandro
Enviado por Luandro em 25/01/2011


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