       |
 Um Apelo: Uma Carta ao Pai que Partiu
Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 2015. Meu Pai (Paizinho),
O principal problema desta carta, paizinho, é o endereço. Você se dizia ateu. Só dizia, pois era o mais cristão dos homens.Um homem culto e humilde. Acreditava na bondade e na justiça. Aliás, para vencer e lutar por tudo em que confiava, soube que esteve preso na aldeia em que morávamos. Era o tempo de Salazar.Aliás, deve gostar de saber que -hoje – ela é tombada pelo patrimônio histórico. Aquelas toscas pedras de que você tanto falava e tantas histórias me contava eram, de fato, neolíticas. Lanço, porém, mão do salmo de Davi: Deus é a minha fortaleza e minha força, angustiada como estou. Ele sabe o seu endereço e estas palavras chegarão - não sei em que dimensão ou galáxia - até você. Tenho certeza de que - olhando dentro do seu coração – pelo que sei, está passeando junto ao Criador. Eu acredito em milagres. Paizinho. Não há como começar diferente. Deus que esquadrinha o meu coração, que descreveu os caminhos que percorri, bem sabe. Era assim que te chamava, naquele dia, quando fiz cinco anos. Toda de rosa. Inquieta de tanta felicidade Era tanto verde. Verde a floresta. Verde a minha vida. Até o riso de todos era verde como a esperança. Só a toalha era branca, pontilhada de mil flores que eu jogava sobre ela. O último aniversário de verdade... Pedaço infinito de felicidade. O rosto transformado pela beleza do momento. Você, mamãe e meu irmão. Mil anos poderiam passar e um nunca deixaria de te chamar. Jesus sabe, que por ti apelava, quando, em lágrimas, a morte nos afastou. Queria acordar, depois de uma viagem - abençoada no tempo – e dizer a essa sinistra senhora, a morte: “Não , não leve meu pai.” Acredite, não uma só vez – ainda hoje – em que ponho na boca um biscoito de maizena (a marca ´ é com z) vejo a sua mão e o seu último adeus, no Hospital de Coimbra ( apesar de meus cinco anos). Que jardim tão belo e triste - nele, chorei muito. Basta fechar os olhos e o descrevo. Ao mesmo tempo que pareço ouvir uma música angelical. Deve ser você, sempre serenando o meu coração. São pedidos de luz aos anjos. Minha mãe pensava que eu não entendia. Era, entretnto, a última vez que te veria. Tocada por algo inexplicável, tentei voltar, fugi dos braços dela chorando.. Não adiantou. Seu caminho era a eternidade. As dores tinham passado – você me disse . Levantei as duas mãozinhas e agradeci. Mal entendia, o voo que você faria. Esse é o caminho de todos nós. Paizinho, não quero demorar-me mais, Um dia, você esteve nesta Cidade, onde moro. Fiquei sabendo que, aqui, perdeu a sua primeira namorada em um tipo de gripe que matou milhares. Isso, ficará para um dia, pessoalmente, suponho. Quero falar com você de seu bisneto. Bisneto, sim. O meu filho, tão parecido com você – fisicamente, já tem o Noah. Um lindo menininho, cujo nome, em hebraico, significa Noé. O problema é que o seu neto - de coração tão bom – anda, agora, tão afastado da fé. Voltado para o lado material, O melhor presente com que poderia presentear seu neto: é pedir a Deus que toque seu coração.As sementes do bem estão com ele. Eu sei que tudo tem seu tempo, seu ciclo e, assim, aprende-se a enfrentar todos os obstáculos. O tempo de Deus não é o nosso. Porém, ele virou as páginas da vida dele. É outro, Quando se perde a noção do próprio valor, é sério, Paizinho, dizem que, durante a Segunda Grande Guerra, faziam pára-quedas (prefiro esta grafia) aos milhares. Era um trabalho entediante. Você participou. Os operários curvavam-se sobre as máquinas de costura de oito a dez horas por dia. Seu neto está curvado também, sob peso de uma louca paixão . Se fosse o Amor verdadeiro, eu estaria feliz. Ele já o teve...Acontece que ele também é pai. Precisa de um escape essencial. Necessita de muita prece e oração. Peça a Deus que o toque o coração dele e o sol renasça para ele e para a família, mas não da forma que está: dando as costas a tudo e a todos que o fizeram ser o que é . Minhas lágrimas soa silentes e dispersam-se quando - de vez em quando - muito de vez em quando - ouço a voz dele. Quanto ao seu pequeno bisneto, não recebi o presente de vê-lo há quase um ano. Por favor, paizinho, a fá faz-nos perseverar e estreme o inimigo. Ela atravessa desertos da ingratidão. Por isso, clamo a você – pela fé – que peça a Deus por seu neto, com muito amor. Sei que tudo já está escrito. Porém, como mãe, acredito, na bondade divina. Ele a tudo pode modificar. Só Ele pode curar. Que volte ao caminho certo pela fé. Que plante a semente que traz de geração em geração: o amor verdadeiro, a humildade. Ser pai é uma aresponsabilidade imensa e ele está extremamente confuso. Digladiando-se entre valores que sempre sequiu e outros que ora segue. Paizinho, eu te amo muito. Atenda a sua filha, que te diz a verdade que você já sabe. Por certo, deve ver muito mais do queeu. Desculpe o pedido. Só assim, terei a paz de que preciso neste final de vida. Não quero mais chorar, a não ser de felicidade. Receba um beijo que viajárá pelo infinito, mas chegará a seu rosto amigo. Luandro (lembra das flores...) Luandro
Enviado por Luandro em 21/01/2015
Alterado em 21/01/2015 Comentários
|
Site do Escritor criado por
Recanto das Letras