Exigência
Um dos maiores escritores portugueses – Fernando Pessoa – disse que o tempo é um instrumento que Deus usou para nos ensinar a conviver. Sábias palavras, talvez para o tempo em que viveu esse nome atemporal. Em pleno século XXI – peço licença a esse Poeta-Maior – e afirmo que conviver necessita de novos contornos semânticos. Caberia perguntar a outro imortal (Machado de Assis): Mudei eu ou mudou o Natal? Ao que parece, em meio à sofreguidão em que se vive, esqueceram o significado do prefixo (com-) e cada indivíduo ( há belas exceções) só se importa com o viver.
De fato, não se compram sentimentos, embora vivamos em uma feroz sociedade consumista – Ou sobrevivemos? Por outro lado, nada há de mais belo do que ver dois idosos - pena que não esteja entre eles – ainda enamorados – meninos-velhos de cabelos branquinhos - passeando, de mãos dadas, e olhar no horizonte do sonho. O Amor – é claro – é bem diferente... Será? Talvez, não. Porque o Amor mais puro consolida-se; é lapidado pelo mestre tempo. Prova disso são as mãos deles e o rosto, pois, enquanto entrelaçadas, seguram as próprias estrelas, em seu riso cristalino e alheio a tudo, principalmente ao desamor. Assim como na sábia natureza, são uma velha árvore frondosa, que a tudo assistiu em várias gerações de seres que à sua volta engatinharam, cresceram, beijaram-se, amaram-se até - em breve - partirem. De fato, a vida dá-se, diariamente, em gotas saborosas do tempo. Saber ser velho é apossar-se dessa verdade. O próprio futuro não é mais o mesmo. Por quê? Porque o idoso não é mais escravo do tempo. Agora, ninguém o obriga. Aprende o que quiser, quando quiser, se quiser. Portanto, conviver é, antes de tudo, dar e semear Amor, – a poderosa alavanca das futuras gerações (perdoem-me se é clichê). É ver, perpassando os sentidos. A audácia dos jovens sempre deveria ser temperada com a maturidade. Desse modo, aprenderiam a descobrir que o símbolo de união cósmica, é saber ouvir o ontem – pode não ser no todo – para viver o hoje e, principalmente, forjar um amanhã melhor. Mas, a falta de tempo é uma doença moderna, ou melhor, o imediatismo é o pior sintoma de uma sociedade que dá muito mais importância ao ter do que ao ser. A ninguém importa o brilho das lágrimas no rosto de ninguém (Estou errada: também há exceções), quanto mais no rosto de tantos outros idosos. Resta-lhes, portanto, fazer planos embalados pelas últimas esperanças do sol poente e saber que são milhões de pessoas que assim se sentem. Alguém já disse – que o choro da solidão é para dentro. Já o do Amor é exterior, cristalino, transparente como o gosto da felicidade. A solidão tem cheiros e sons sinestésicos. Chega e - com ela - traz um perfume sem igual, que é indispensável conhecer, o do vazio. Só assim é possível resistir ao abraço dessa estranha amiga, com suas mãos suaves e frias. Ela é muito exigente e egoísta. Tanto assim que passou a exigir nova acepção para a palavra conviver: olhar mas não ver. Luandro
Enviado por Luandro em 29/06/2014
Alterado em 29/06/2014 |